terça-feira, fevereiro 02, 2010

Pão de ló

A mãe do Belarmino, senhora antiga, pesada e um pouco barbada, disse-me um dia de lágrimas nos olhos 'Poderão dizer que foram tão felizes como eu, mas niguém poderá dizer que foi mais feliz do que eu.'
Assim sou eu; já antes o disse aqui. Da minha infância ficam-me os tempos de aprender a andar de bicicleta no bocado do quintal que era do Guilherme Luís e das curvas dos canteiros que invariavelmente me deixavam arranhões e nódoas negras. Ficam-me as papinhas feitas de folhas e terra, ao lado da capoeira, sentada no chão a alimentar bonecos e bonecas. Fica-me a minha boneca preferida que já não tinha calcanhares e a quem eu vestia vestidos de noite feitos com as meias velhas do meu pai. A alegria de um pão de ló feito no púcaro de esmalte só para mim, ao lanche, porque o outro, grande, era para o jantar. Domingos a limpar o quarto enquanto o meu pai ouvia a TSF na sala. Almoços de fim de semana, com o sol a bater de esguelha na mesa. A lembrança de namorar ao telefone, fechada na despensa, enquanto bebia leite condensado pela lata. Noites no Algarve em que combinava ir levar o lixo ao mesmo tempo para ainda falarmos mais um bocadinho.
Nunca tive tanto como agora e nunca mais criei memórias tão felizes como estas.

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