Quando disse que tinha sonhado com a D Dores e o cheiro da sua papelaria quando ia comprar cadernos do Paddington menti. Pensei nela. Bem acordada. Penso sempre numa vida mais simples.
Lembro-me do tio Lourenço dizer que era lá que comprava os policiais da colecção Vampiro.
Perguntei-lhe, curiosa e invejando em antecipação a organização e imaginação do que me ia contar - os regulares planos de fim de semana com o seu pequenino. Mas quando me contou que até já tinha feito périplo dos transportes - eléctrico, metro, autocarro e tinha planeado uma viagem de comboio -só consegui pensar que essa é a realidade de muitas mães e pais. Dias longos, viagens em pé e uma criança pela mão para quem um carro, com cadeirinha no banco de trás seria o programa de fim de semana. Falta-nos tanta eduação para a realidade.
No estudo dos cognomes dos reis portugueses, dei a seguinte dica adicional à Mariana, relativamente a D.Luís I - 'É o bolo preferido da Avó Bina'.
O sentimento que tive em l'Aquila, há tantos anos, quando comemos bacalhau com natas em casa da AES, servido com uma escumadeira, voltei a tê-lo no sábado.
A mãe do Belarmino, senhora antiga, pesada e um pouco barbada, disse-me um dia de lágrimas nos olhos 'Poderão dizer que foram tão felizes como eu, mas niguém poderá dizer que foi mais feliz do que eu.'
Assim sou eu; já antes o disse aqui. Da minha infância ficam-me os tempos de aprender a andar de bicicleta no bocado do quintal que era do Guilherme Luís e das curvas dos canteiros que invariavelmente me deixavam arranhões e nódoas negras. Ficam-me as papinhas feitas de folhas e terra, ao lado da capoeira, sentada no chão a alimentar bonecos e bonecas. Fica-me a minha boneca preferida que já não tinha calcanhares e a quem eu vestia vestidos de noite feitos com as meias velhas do meu pai. A alegria de um pão de ló feito no púcaro de esmalte só para mim, ao lanche, porque o outro, grande, era para o jantar. Domingos a limpar o quarto enquanto o meu pai ouvia a TSF na sala. Almoços de fim de semana, com o sol a bater de esguelha na mesa. A lembrança de namorar ao telefone, fechada na despensa, enquanto bebia leite condensado pela lata. Noites no Algarve em que combinava ir levar o lixo ao mesmo tempo para ainda falarmos mais um bocadinho.
Nunca tive tanto como agora e nunca mais criei memórias tão felizes como estas.
Perguntavas-me o que fazia com o tempo livre... Levantava-me e tomava pequeno almoço com o sol a entrar pela janela; umas vezes comíamos papa, outras iogurte, outras pão com manteiga e até aprendia a fazer umas indianices. Íamos para a escola, sem pressas, a ver o que havia à nossa volta - umas vezes carros, outras vezes joaninhas e azedas que até podíamos chupar pelo caminho. Depois se calhar ia à biblioteca, sabes que gostava de montar um projecto de leituras encenadas para crianças? A leitura é um prazer mas tem que ser ensinada e nos tempos que correm é necessário aprender a imaginar.
Tratava da minha India, que por acaso até é a nossa, no site, no telefone e a bater os pés pelas calçadas.
Também tenho muito para escrever e até tenho ideias para um programa de rádio em conjunto com outras pessoas.
Depois já era tempo de voltar à escola e ir buscar o meu amigo. Brincávamos e aprendíamos enquanto te esperávamos.
